Legado devastado
A entronização de novos heróis nacionais, dia 4 de setembro, no Panteão da Pátria, em Brasília, ilustra os paradoxos deste tempo.
Ao lado de nomes como Ana Néri e José de Anchieta, foram reconhecidos como heróis Chico Mendes e os soldados da borracha. Estes por contribuírem na vitória dos Aliados na Segunda Guerra, produzindo borracha na floresta. Chico por entregar sua vida à defesa da mesma floresta e do mesmo sonho de liberdade.
Mas, dessa vez, próximas dali, seguiam negociações de mais um "acordo possível" para derrubar o que resta da proteção legal não só das florestas da Amazônia, mas também do cerrado, da caatinga, da mata atlântica e do pantanal.
E, bem longe dos ecos da solenidade, índios, ambientalistas, agricultores e extrativistas continuam sendo perseguidos e mortos, na violência que acompanha a devastação.
A data de 5 de Setembro, Dia da Amazônia, costumava ser ocasião para discursos de louvor à floresta e decisões oficiais que, embora voltadas à opinião pública, traziam algum benefício real ao povo da região. Honramos Chico Mendes, com profunda gratidão, pois ele fez muito mais que o possível.
O professor Viriato Soromenho-Marques, da Universidade de Lisboa, diz que o sacrifício dos heróis sinaliza caminhos ainda por desbravar, e a sua coragem serve para alimentar em nós a crença de que a existência da humanidade não tenha sido em vão.
A homenagem é, portanto, uma declaração de que compartilhamos o sentido da ação heroica e nos dispomos a seguir seu exemplo.
Infelizmente, 2012 entra para a história no sentido oposto, com unidades de conservação (UCs) sendo reduzidas e leis que as protegiam sendo mudadas. O resultado começa a surgir: dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Imazon, revelam aumento de 50% no desmatamento no Pará comparado a julho de 2011, especialmente onde se localizam as UCs reduzidas.
Embora a taxa geral de desmatamento ainda esteja em declínio, diversas áreas dão sinais do fim desse processo virtuoso, iniciado há oito anos.
O Plano de Combate ao Desmatamento tinha sustentação no Código Florestal, agora desfigurado para "regularizar" o desmatamento passado e futuro. Este é o ano em que os representantes dos interesses econômicos mais atrasados deixaram de lado o fingimento e impuseram sua agenda.
É uma pena. O Brasil, com a maior porção da Amazônia, reúne condições de liderar novo modelo de desenvolvimento neste século, um esforço de mudar a civilização pelo reencontro e reencantamento da relação do homem com a natureza.
Este é o caminho apontado pelos heróis homenageados. A traição que a eles se faz é a devastação de seu legado.
MARINA SILVA escreve às sextas-feiras na Folha de S. Paulo
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